sábado, 20 de fevereiro de 2016

A meritocracia hereditária das capitanias modernas


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Em 1534, Dom João III, então Rei de Portugal, criou um sistema de administração territorial no período de colonização do Brasil. Esse sistema consistia em dividir o território brasileiro em grandes faixas de terra e delegar a administração de cada uma delas, a famílias consideradas nobres pela coroa portuguesa. A esse sistema deu-se o nome de capitanias hereditárias. Qualquer livro de história vai nos dizer que este sistema foi extinto em 1759, pelo Marquês de Pombal, mas há controvérsias. Como diria Pedro Pedreira, personagem da escolinha do Professor Raimundo: “Me convença”.
Nunca se falou tanto em meritocracia como nos dias atuais, principalmente quando os segmentos mais conservadores da elite, em sua boa parte composto por abençoados hereditariamente pelo sistema de capitanias criado por Dom João III, quer combater a política de inclusão social implantada pelo governo atual. Eles já se deram conta de que o povo está mais consciente dos seus direitos e agora também quer um lugar a sombra. Eles sobem, eles descem, eles dão uma rodada. Ah! Como eles ficam descontrolados. Tudo que se faz para diminuir a desigualdade social eles criticam. Não pode dar um peixe a uma criança que está morrendo de fome, é preciso ensiná-la a pescar. Ainda que ela sequer saiba andar. Não pode criar cotas para os mais pobres nas universidades, eles devem conquistar o acesso por mérito. 
Não pode empregar o filho como chefe de gabinete do estado, sem que esse tenha experiência, conhecimento e acima de tudo méritos para exercer tal função. Não! Espera aí! Isso pode. Aliás, não só pode como deve. São ordens do Rei de Portugal. Mas isso só vale para quem teve a sorte de nascer descendente de colonizador ou sob a proteção do nosso coronelismo político. João Campos, 22 anos, filho do ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos, é o novo chefe de gabinete daquele estado. Curiosamente ele irá exercer a mesma função que o seu falecido pai assumiu em 1987, admitido pelo avô, Miguel Arraes, na época Governador de Pernambuco. Oh, sorte! 
João Campos não tem experiência nenhuma em cargos públicos, assim como o seu pai Eduardo também não tinha quando foi nomeado pelo avô. Acredito que o rapaz nunca tenha trabalhado na vida ou jamais lavado as próprias sungas com algum mérito. Mas o seu sobrenome e a sua meritocracia hereditária, o credencia ao cargo. Lembrando que a capitania de Pernambuco era uma das 13 criadas pelo Rei de Portugal. Chega a ser um escárnio. O salário do novo coronelzinho, digo, do novo chefe de gabinete do estado será de R$ 7.787,43. Nada mal para um jovem aprendiz.  Jovem esse que em pouco tempo será eleito Governador e anos depois irá se candidatar a presidência da república. E se o avião não cair ele chega pelo menos ao 2º turno. ´
Poderia citar outros exemplos de políticos que empregam ou elegem seus filhos, depois seus netos, depois seus bisnetos, usando do nome ou da popularidade que já possui. Aparecem na televisão ao lado do seu pupilo e com a cara mais lavada do mundo pede ao eleitor que vote nele porque ele é seu filho. Será que esses figurões da política não deveria ensinar os seus filhos a pescar os eleitores? Quer dizer, a fazer a campanha e conquistar votos com os seus próprios argumentos? E ainda assim, após eleitos, os menudos adotam o mesmo discurso hipócrita hereditário, que louva a meritocracia. A família Bolsonaro é um exemplo. Se os filhos não fossem crias do Capitão fanfarrão, marqueteiro e falador, que é o patriarca da família, alguém acha que eles teriam votos suficientes para se eleger? No entanto, o nobre deputado Jair Bolsonaro é um defensor ferrenho da meritocracia e combatente mais ferrenho ainda da política de inclusão social do governo. Mais hipócrita impossível.
O que fica claro ao entendimento de quem quiser enxergar, é que a regra é clara, mas não deve ser aplicada a todos. Me faz lembrar uma frase que é atribuída a Getúlio Vargas, mas cujo autor não se sabe ao certo quem é, e que diz: “Aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da lei”. É assim que o coronelismo se perpetua em nossa sociedade. Não preciso dizer que os inimigos a que se refere à frase é o povo, principalmente os mais necessitados. A eles sempre é aplicada a lei de maneira mais rigorosa. A ordem dos donos das capitanias é não permitir que eles se aproximem, o que já era uma preocupação de Dom João III, evitando assim uma possível invasão de seu território. A meritocracia fascista tão cantada em verso e prosa nos dias de hoje, nada mais é que uma forma de fazer com que o povo acredite que as oportunidades são iguais para todos e quem não consegue se estabelecer é por que não tem competência.
Quantos têm a oportunidade de estrear no mercado de trabalho como chefe de gabinete do estado e ganhando mais de sete mil reais de salário? Quantos têm a oportunidade de se eleger deputado porque os eleitores do papai votaram nele? Será que todos nós partimos do mesmo ponto? Os que mais atacam as políticas de inclusão social são os herdeiros das capitanias. Logo eles que têm acesso as melhores oportunidades graças a uma política elitista e seletiva da qual eles não querem abrir mão. Logo eles que abominam o conceito de igualdade social entre as pessoas. Logo eles que acham um absurdo o pobre ter acesso às mesmas coisas que eles. Logo eles que gostam de estabelecer limites sociais para as pessoas que não sejam herdeiras da coroa real. Logo eles que usam a cor da pele como quesito eliminatório num processo de inclusão.
Vamos dar um tempo nessa hipocrisia! Não adianta dar a vara e ensinar a pescar, se quando o pobre joga o anzol só pega peixe pequeno, porque os graúdos já foram fisgados e entregues aos que se julgam donos do rio. E o pobre fica a pensar que a sua isca não foi atrativa o suficiente para ele garantir um bom peixe.  Isso é covardia! Chego à conclusão que para essa elite deixar de ser cara de pau com tanto mérito, não basta dar o coquinho, tem que ensiná-los a ir catar.
Viva, Dom João III!

Fonte: Brasil247

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