quinta-feira, 11 de junho de 2015

´Quando a religião é um perigo

Manifestação contra a homofobia na 19ª Parada do Orgulho LGBT na Avenida Paulista, neste domingo (7) (Foto: Reuters/Joao Castellano)
(Foto: Reuters/Joao Castellano)
Religião é algo bom, que faz bem. Pelo menos deveria ser. A palavra significa de “re+ligar”, e deve expressar o que une a humanidade à divindade, o que liga as pessoas entre si. Deve ser uma ponte, um elo, algo que manifeste e aprofunde a dimensão espiritual do ser humano.
Ao ser perguntado sobre qual seria a melhor religião, Dalai Lama respondeu: “É aquela que faz a pessoa melhor”. E parece óbvio. É o que se espera.
Porém, nem sempre é o que se vê. Se é verdade que, em nome da religião, muita gente cresce, se torna feliz, faz o bem, promove a vida, se doa, constrói… também é verdade que, em nome dela, há muitos que odeiam, fazem guerra, excluem, maltratam e matam. Ouvimos falar sempre das chamadas “guerras santas”. Em nome de Deus, muito sangue já foi derramado; muitas vidas, dizimadas. Mesmo na religião cristã e na Igreja Católica.
Após a tragédia de Realengo, no Rio de Janeiro, quando um jovem tomou a decisão de matar dezenas de crianças e, depois, tirar a própria vida, todos queriam saber que razões alguém teria para fazer isso. Pelo que o próprio jovem deixou escrito e gravado, deu para perceber que havia muita mágoa e revolta por coisas passadas, e também uma motivação religiosa. Ele cita várias vezes o nome de Deus, fala da pureza, do desejo de ser perdoado e ser salvo por Jesus.
O psicanalista Contardo Calligaris fez uma análise desta e de outras atitudes semelhantes, mostrando o grande perigo do fanatismo religioso. Vale a pena registrar parte da sua reflexão. Escreve ele: “Você é isolado? Sente-se excluído da festa mundana? Pois bem, conosco você terá uma igreja (real ou espiritual) que lhe dará abrigo; ajudaremos você a esquecer o desejo de participar de festas das quais você foi e seria excluído, pois lhe mostraremos que esse não é o seu desejo, mas apenas a pérfida tentação do mundo. Você acha que foi rechaçado? Nada disso; ao contrário, você resistiu à sedução diabólica. Você acha que seu desejo volta e insiste? Nada disso; é o demônio que continua trabalhando para sujar sua pureza.
Em vez de sofrer com a frustração de meus desejos, oponho-me a eles como se fossem tentações externas. As meninas me dão um frio na barriga? Nenhum problema; preciso apenas evitar sua sedução – quem sabe, silenciá-las. Fanático (e sempre perigoso) é aquele que, para reprimir suas dúvidas e seus próprios desejos impuros sai caçando os impuros e os infiéis mundo afora”.
E termina falando dos riscos que esconde um aparente consolo oferecido pelo fanatismo moral e religioso: “na carta sinistra de Wellington, eu leio isto: minha fé me autorizou a matar meninas (e a me matar) para evitar a frustrante infâmia de pensamentos e atos impuros”.
Pode haver exageros nessas palavras; pode ser que muitos não concordem. Mas é preciso ter muito cuidado com a falsa religiosidade. Não só pelos crimes que se cometeram e se cometem em nome da fé. Não só pela intolerância de quem se julga dono da verdade, se fecha ao diálogo, se nega a reconhecer o valor de cada pessoa e de cada expressão religiosa, exclui e maltrata. Mas também por pequenos gestos, aparentemente inofensivos, que prejudicam a vida e a convivência. Atitudes que afastam em vez de unir; que destroem em vez de construir; que não são de Deus.
Já vi muitos lares desfeitos e casais que se machucam por causa da religião. Gente que se esquece do próprio compromisso familiar, de esposo(a) e companheiro(a), de pai e mãe, de filho(a) ou irmã(o) para se entregar à “religião”. Vi muitos pais e mães que fizeram seus filhos criarem antipatia da Igreja por forçá-los a práticas religiosas chatas, enfadonhas, desencarnadas e nada atraentes para as crianças ou para a juventude. Sei que muita gente se afasta ou não se aproxima da Igreja, porque o Deus que pregamos e manifestamos não é fonte de vida e alegria, de perdão e misericórdia; não é o Deus de Jesus Cristo. Muitas vezes nossa religião não se revela como instrumento de realização e caminho de verdadeira felicidade.
Só posso dizer que minha religião é verdadeira quando ela me faz melhor e me faz ser melhor com os outros. Quando me faz bem e me leva a fazer o bem. Quando me impulsiona à prática da compaixão, ao senso de justiça, à construção da paz. Religião verdadeira jamais passa pelo fanatismo, que é sempre doentio, mas por um amor equilibrado e sadio.
Fonte: Diocese de Mariana - MG

Nenhum comentário:

Postar um comentário